O medicamento para perda de peso Wegovy reduziu o risco de ataque cardíaco em um grande ensaio


FILADÉLFIA— Na recente reunião da American Heart Association, uma sala cavernosa cheia de médicos irrompeu em aplausos. O cardiologista da Cleveland Clinic, A. Michael Lincoff, acabara de apresentar os resultados dramáticos – e às vezes enigmáticos – de um novo ensaio clínico sobre o medicamento para perda de peso semaglutida.

O medicamento, vendido sob a marca Wegovy, reduziu o risco de problemas cardiovasculares graves dos pacientes em 20 por cento, informou Lincoff em 11 de novembro. Também reduziu o risco de morte – por qualquer causa – durante os cerca de 40 meses em que os pacientes participaram do estudo em média.

O trabalho de Lincoff destaca ainda outro papel para a semaglutida, que os médicos usam atualmente para tratar diabetes e obesidade. Trabalhos anteriores já haviam descoberto um benefício cardiovascular em pessoas com diabetes tipo 2. O novo estudo, que teve como alvo pacientes com sobrepeso ou obesidade com doenças cardiovasculares, é o primeiro a mostrar que a semaglutida também pode ajudar o coração de pessoas sem diabetes.

Isso é importante porque amplia o número de pessoas que poderiam se beneficiar do medicamento, diz Tiffany Powell-Wiley, cardiologista e epidemiologista do Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue em Bethesda, Maryland. Só nos Estados Unidos, mais de 6 milhões pessoas obesas ou com sobrepeso têm doenças cardiovasculares, mas não diabetes. A semaglutida pode ser um divisor de águas para essas pessoas, diz Powell-Wiley, que não participou do novo estudo. Ainda assim, ela e outros participantes da reunião reconheceram as limitações do estudo – e as limitações do medicamento.

Por mais que desejemos uma solução rápida para os níveis crescentes de obesidade observados em todo o mundo, diz Powell-Wiley, “é importante compreender que esta não é a panaceia”. Ainda não sabemos até que ponto a semaglutida funciona bem num grupo diversificado de pessoas, diz ela. E o medicamento não corrige os factores sociais, ambientais e sociais que levam à obesidade – e às suas potenciais consequências para a saúde – em primeiro lugar.

A semaglutida reduziu o risco de ataque cardíaco, acidente vascular cerebral e morte

A semaglutida faz parte de uma família de medicamentos que está ganhando popularidade no tratamento da obesidade. Em 8 de novembro, a Food and Drug Administration dos EUA aprovou um novo: a tirzepatida, um parente da semaglutida que atende pela marca Zepbound.[See also: Semaglutide FAQ ]

A semaglutida, vendida sob a marca Ozempic, chegou ao mercado pela primeira vez para o tratamento de diabetes em 2017. Desde então, o número de utilizações do medicamento não para de crescer. Em 2020, o FDA aprovou a redução do risco cardiovascular em pessoas com diabetes e doenças cardíacas. E em 2021, o tratamento para obesidade (com dose maior de Wegovy) entrou na lista.

O ensaio de semaglutida de Lincoff, denominado SELECT, incluiu mais de 17.000 pessoas, metade das quais recebeu injeções semanais de semaglutida durante cerca de três anos; a outra metade recebeu um placebo. No final do ensaio, 8% das pessoas no grupo do placebo tiveram um acidente vascular cerebral não fatal ou ataque cardíaco ou morreram devido a causas cardiovasculares. Esse número caiu para 6,5% no grupo da semaglutida, relatou Lincoff na reunião e online em 11 de novembro noJornal de Medicina da Nova Inglaterra.

A diferença entre os dois grupos pode não parecer grande, mas “é um resultado enorme”, diz Amit Khera, cardiologista do UT Southwestern Medical Center, em Dallas, que não participou no ensaio. Não se pode subestimar a importância de encontrar um novo tratamento para pacientes com doenças cardiovasculares, diz ele.

A doença é “a maior fonte de mortalidade no mundo”, disse Lincoff numa conferência de imprensa em 10 de Novembro, e não existe uma terapia única que possa eliminá-la. Em vez disso, os médicos tentam eliminá-lo com vários tratamentos que oferecem benefícios incrementais.

Para pessoas com sobrepeso ou obesidade com doenças cardíacas, diz Khera, a semaglutida é outra ferramenta nos kits de ferramentas dos cardiologistas.

Permanecem dúvidas sobre como o medicamento funciona – e para quem

Os resultados do novo estudo dão corpo às notícias anteriores do ensaio divulgadas pelo financiador Novo Nordisk em agosto(SN: 29/08/23). Na época, os médicos queriam saber quem o medicamento ajudava, como funcionava e quais efeitos colaterais provocava. O último relatório oferece respostas para algumas perguntas, mas deixa outras abertas.

Os participantes que tomaram semaglutida tiveram uma probabilidade ligeiramente maior de abandonar o estudo do que aqueles que tomaram placebo. Essa diferença parece ser motivada pelos efeitos colaterais gastrointestinais da droga, que incluem náusea, diarréia e vômito. O número de problemas graves ocorridos, como câncer ou infecção, foi ligeiramente menor no grupo da semaglutida.

Embora a semaglutida oferecesse claros benefícios cardiovasculares aos pacientes, um aspecto misterioso dos dados chamou a atenção dos pesquisadores. Os efeitos protetores da droga tornaram-se aparentes no início do estudo – bem antes dos participantes terem perdido muitos quilos.

Isso é importante porque sugere que a semaglutida pode melhorar diretamente a saúde do coração, talvez além dos benefícios típicos que acompanham a perda de peso, diz Caroline Apovian, especialista em medicina da obesidade na Harvard Medical School e no Brigham and Women’s Hospital em Boston. Ela não esteve envolvida no estudo, mas faz parte do conselho consultivo científico da Novo Nordisk. Lincoff disse que sua equipe está “trabalhando arduamente” na análise dos dados do SELECT para entender melhor as ações da semaglutida.

Esses dados incluem informações demográficas e médicas sobre milhares de participantes do ensaio. Mas o ensaio tem uma “enorme limitação”, diz Powell-Wiley: 84% dos participantes do estudo eram brancos e 72% eram homens.

Expandir a diversidade de pessoas representadas em ensaios clínicos como estes é crucial, disse ela. É um ponto que ela levantou em um painel de discussão após a palestra de Lincoff, e que – assim como os resultados do estudo – recebeu aplausos generalizados. Nos Estados Unidos, os afro-americanos, hispânicos e indígenas são os mais afetados pela obesidade, diz Powell-Wiley, e o novo ensaio não nos diz muito sobre como a semaglutida funciona nesses grupos.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *